Antes de adentrar no tema do artigo em si, importante se faz tecer alguns esclarecimentos. O título possui o intuito de provocar a reflexão sobre a atual disparidade entre os juros fixados para a correção de valores em demandas judiciais e o quanto esses mesmos valores renderiam na aplicação financeira mais segura e difundida nos investimentos nacionais.
O objetivo aqui, não é influenciar ninguém a ingressar com uma ação com o objetivo de obter rendimentos altos, nem sustentar que uma demanda judicial é um investimento, mas sim expor a diferença existente entre o patamar de fixação dos juros de mora e o suposto custo de oportunidade que o tempo custaria ao credor.
No meio dos investimentos, por muito tempo o Brasil foi considerado o País dos "rentistas", com a maioria dos investidores recorrendo aos títulos públicos do governo - Tesouro Direto SELIC - para aportarem seu capital. Nesses títulos, atrelados à taxa de juros média (SELIC), obtinham rendimentos em torno de 15% ao ano, dobrando nominalmente o capital investido a cada 5 anos.
Logo, pra fazer o dinheiro "render", bastava o investidor emprestar dinheiro à União, no instrumento de crédito mais seguro do País e com ampla liquidez, isto é, com possibilidade de saque quase imediata.
A SELIC é delimitada pelo Comitê de Política Monetária - COPOM e serve, principalmente, para controlar a inflação e estimular (ou desestimular) o consumo, de modo que, se observada desde o início dos anos 2000, variou de 45% aos atuais 2% ao ano, com uma redução brusca no breve período dos últimos 5 anos:
Em linha com as taxas usuais vigentes, os tribunais brasileiros, quando julgavam demandas judiciais nas quais eram cominadas prestações pecuniária, fixavam os juros de mora no patamar de 1% ao mês, de forma não composta.
Isso porque o Código Civil, em seu Artigo 406, delimita que "quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".
No entendimento majoritário, a taxa em vigor que a lei menciona estaria disposta no §1º do Artigo 161 do Código Tributário Nacional, in verbis: "Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês".
Simplificando, quando da condenação de alguém a obrigação de pagar determinada quantia, seja a título de indenização, cobrança, reparação, imposto ou taxa, o julgador, aplicando as normas acima transcritas, fixa uma punição pelo atraso ou demora, adicionando ao valor inicial juros de 12% ao ano (ou 1% ao mês), além da inflação do período (correção monetária).
Assim, nestas diretrizes, o custo de oportunidade de deixar o dinheiro "parado" era praticamente equiparado entre uma ação judicial e os principais instrumentos de renda fixa disponíveis no mercado, circunstância que dispensa o debate de quão justas essas taxas são atualmente.
Todavia, a despeito da aplicação dos juros de mora de 1% ao mês pelos juízes de primeiro grau e Tribunais Estaduais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), há muito, vem delimitando que os juros de mora devem ser calculados de acordo com a taxa SELIC vigente, inclusive em julgamento de recursos repetitivos - acórdãos que podem ser utilizados como precedentes judiciais -, especialmente porque a aplicação da taxa de 1% ao mês pode resultar em diferenças significativas de valoração de causas, suficientes a causar extensos prejuízos à parte perdedora e ótimos ganhos à parte vencedora.
A título de exemplo, supomos que determinada pessoa ingressa com uma ação declaratória de inexistência de débito valorada em R$ 20.000,00 e que essa demanda leva 5 anos para ser julgada.
Na forma do entendimento jurisprudencial dominante, inclusive na Corte Catarinense, esse valor, atualizado conforme inflação do período e com os juros de mora de 1% ao mês, resulta na quantia de R$ 39.385,40, praticamente o dobro do inicial:
Já se utilizados os parâmetros do STJ, calculado de acordo com a taxa SELIC, resultaria na monta de R$ 27.169,17, praticamente 30% a menos:
Portanto, ainda que a taxa de juros média não seja mantida nos patamares mínimos em que se encontra (2% ao ano), ao que tudo indica, permanecerá baixa pelos próximos tempos, situação que deverá gerar cada vez mais discussões como a presente.
Uma resposta definitiva sobre como os juros de mora deverão ser calculados somente deverá surgir quando o Poder Legislativo tomar interesse pela causa e editar uma norma que especifique exatamente nesse sentido.
No entanto, as relações jurídicas não aguardarão até lá.
Por isso, sempre que estiver diante de uma cobrança de valores e acreditar que os juros de mora não refletem os seus interesses, busque seu Advogado de confiança, o qual deverá arguir em seu favor e tentar convencer o julgador a seguir uma fixação mais justa.
Fonte do gráfico: https://pt.tradingeconomics.com/brazil/interest-rate, acesso em 21/02/2021, às 19h45.
Cálculos realizados, no sítio virtual da Corregedoria-Geral do Estado de Santa Catarina: http://cgjweb.tjsc.jus.br/AtualizacaoMonetaria/
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